>

Série Ingredientes: FARINHA DE TRIGO

5 de outubro de 2021

Estes posts são uma série técnica sobre INGREDIENTÍSTICA: características dos ingredientes, como eles funcionam e também sua interação com os outros. Confira no final do post os links para os outros textos da série!

Hoje vamos falar sobre ela: a farinha de trigo! Nesta PRIMEIRA PARTE falaremos do grão de trigo, dos tipos de farinha e do modo de fabricação dela – e também sobre o glúten. Na próxima parte falaremos sobre os AMIDOS e sobre o que acontece quando misturamos a farinha com outros ingredientes como açúcar, gordura e ovos!

Depois deste post você pode ler a Parte 2!

SÉRIE INGREDIENTES: FARINHA DE TRIGO

TRIGO: CEREAL FUNDAMENTAL

O trigo (Triticum spp.) é uma gramínea que ocorre naturalmente na região do Crescente Fértil, atual Oriente Médio. Ele provavelmente tinha sementes muito pequenininhas que se espalhavam pelo vento, mas com o tempo foram sendo selecionadas e replantadas pelos nossos ancestrais – como forma de conseguir mais alimento com mais praticidade – e provavelmente conseguir fazer bebidas fermentadas também.

O pão feito com as sementes moídas e misturadas com água e cozido sobre pedras quentes ou em fornos rudimentares de barro ou pedra provavelmente foi uma das primeiras preparações feitas pelo ser humano. É um dos nossos alimentos mais antigos!

O trigo foi domesticado e cultivado pelo ser humano para produzir grãos maiores e em maior quantidade pela seleção das plantas que produziam mais. Ele é um dos três cereais que permitiu o desenvolvimento da civilização humana – juntamente com o arroz na Ásia e o milho nas Américas. É o terceiro cereal mais cultivado no mundo hoje, atrás justamente do milho e do arroz. Apesar de ser bastante pobre em nutrientes o trigo faz parte da nossa dieta há milênios.

Os primeiros cereais eram moídos utilizando pedras – uma pedra achatada e uma outra pedra menor segurada nas mãos. Este método foi utilizado até a Revolução Industrial, já com grandes rolos de pedra puxados por bois. Hoje em dia o grão é moído por grandes rolos de aço.

Livros que eu indico para saber mais:
ALIMENTO DA CIVILIZAÇÃO


Não existe pão sem trigo, e não existe confeitaria sem ele também. Então onde estaríamos sem o trigo? Não estaríamos, esta e a resposta. A maioria de nós, pelo menos. O cultivo dos cereais foi um dos motivos que proporcionou uma abundância de alimentos, permitindo que as comunidades crescessem mais, que mais bebês sobrevivessem e que os adultos tivessem vidas mais longas.

Provavelmente o primeiro alimento processado da humanidade, após uma carne assada sobre o fogo, foi um pão feito com cereal moído e água, assado em fornos rudimentares de pedra ou barro, a lenha.

Para saber mais sobre o processo de como cozinhar nos tornou humanos eu recomendo a série Cooked, da Netflix, baseada no livro de mesmo nome do jornalista Michael Pollan. É sensacional!

Veja o trailer abaixo:

Trailer da Série Cooked do Netflix

O GRÃO DE TRIGO

Aqui está o protagonista de toda esta história: o grão de trigo.

As partes de um grão de trigo: casca, endosperma e gérmen

O grão tem três partes principais: casca, endosperma e gérmen.

O gérmen é a parte gordurosa do grão. É muito nutritivo, mas estraga facilmente e é vendido como suplemento alimentar. Normalmente não é encontrado nas farinhas, mas muitos tipos de pães tradicionais na Europa são feitos incluindo o gérmen.

A casca é a parte externa do grão, e tem várias camadas. É a parte fibrosa – marrom clara, crocante e insolúvel – a farinha integral possui a casca moída dentro.

O endosperma é a parte mais importante. É onde as proteínas e os amidos estão. Estas proteínas incluem a gliadina e a glutenina, que quando combinadas com água e ação mecânica (misturar, mexer, sovar) formam a rede protéica que chamamos de glúten. Os amidos do endosperma (a parte branca) absorvem boa parte da água e formam um tipo de gel durante o assamento ou cozimento – fazendo dele um hidrocolóide (hidro = água + colóide = gel). Tanto o glúten quanto o amido são componentes estruturais das receitas – firmeza, formato, etc.

FAZENDO FARINHA DE TRIGO
man preparing dough for bread

As duas variedades mais cultivadas no mundo são o trigo durum e o tenero. O trigo durum (Triticum durum), colhido no inverno, é o utilizado para fazer massas, como espaguete – por isso vemos escrito grano duro. O trigo durum moído é chamado de semolina. O grão tenero, ou tenro (Triticum aestivum), colhido no verão, é o grão utilizado para fazer farinha de trigo!

A primeira coisa que vamos ver aqui é a pureza.

A pureza quer dizer qual a porcentagem da farinha é composta de amido e proteína puros, e quanto existe de casca residual nela (chamada de cinzas). Quanto mais pura a farinha, mais delicados os produtos feitos com ela serão – com cor mais clara, estrutura mais fina e mais fáceis de mastigar e engolir.

O grão é moído em cilindros gigantes de aço inox e as partes são separadas.

A classificação funciona da seguinte maneira:

  • 3 or 2= farinha integral pesada, muita cinza, normalmente de cor bege ou castanha, pode incluir gérmen
  • 1= farinha integral comum.
  • 0= farinha branca comum, a mais encontrada no mercado brasileiro.
  • 00= farinha especial mais refinada.

É por isto que algumas receitas especiais pedem farinhas 0 ou 00 – quanto mais refinada, mais delicado o produto final.

E veja bem: a pureza não tem nada a ver com a quantidade de glúten que a farinha pode produzir – é apenas relacionado à pureza da farinha.

O problema com a farinha branca refinada é que ela é muito pobre em nutrientes – e é por isso que uma dieta de pão e água não funciona, não importa o que os livros de piratas digam.

É por isso que a farinha branca tem sido demonizada com frequência – é quase puro carboidrato e um pouquinho de proteína, com quase zero fibra. Isso faz com que o índice glicêmico dela seja muito alto – nosso corpo processa a farinha rápido demais e ela se torna glicose no sangue muito rapidamente, contribuindo para a produção de gordura e o aumento subseqüente de peso.

Não tem nada errado em consumir farinha branca. Você só não deve basear a sua dieta inteira nela. Sua dieta precisa ser mais variada e colorida do que alimentos feitos de farinha branca, gordura e açúcar.

Mesmo assim consumimos muita farinha branca – e é por isso que no Brasil ela é fortificada com ferro e ácido fólico. É lei!


MAS E O GLÚTEN?
Rede de Glúten

Proteínas são longas cadeias de aminoácidos que normalmente são encontradas em formato de espirais bem pequenininhas e apertadas. No caso da farinha as proteínas em maior quantidade, e que formam o glúten, são a gliadina e a glutenina. Elas são melhores amigas – e tudo que precisam para ficar felizes é de água.

Mas veja bem: a farinha não contém glúten. Ela contém o potencial para o glúten – para ele se formar precisamos adicionar água e ação mecânica – bater, amassar, sovar, para formar a rede, a chamada malha glutínica.

O glúten dá estrutura para as preparações de confeitaria. Esta rede de glúten é elástica e muito resistente, e consegue aprisionar bolhas de ar, glóbulos de gordura, outros açúcares e também muita água. O glúten segura tudo junto. O glúten tem um aroma levemente ácido, como cerveja fresca, é insolúvel em água e fica mais forte e firme conforme sovamos.

É por isso que temos que ter cuidado para não sovar demais massas ou bater demais as massas de bolo – se seu bolo ficar duro, fizer um “vulcão” no meio, ou seu pão ficar duro e difícil de mastigar provavelmente é porque o glúten foi trabalhado demais.

ÍNDICE PROTEICO

Além da classificação de pureza da farinha temos também o índice proteico – que nos diz quanta proteína existe no endosperma (a parte branca) de um determinado grão de trigo destinado a virar farinha. Este índice vai normalmente de 5% a 15% nos grãos mais “fortes”- o grão mais forte do mundo é o Manitoba, um grão de origem canadense.

Por que é que isso importa?

Quanto maior o índice proteico da farinha, mais denso, elástico e resistente a malha glutínica vai ser, maior a quantidade de água ela consegue absorver e mais elástica é a massa.

Isso pode parecer abstrato, mas existem tipos diferentes de farinha de trigo para biscoitos, bolos, massa folhada, pizza, pão e panetone. A letra que designa o índice da farinha é o W.

Quanto maior o número do W, mais forte a farinha – mais proteína ela tem.

Para assar bolos e biscoitos podemos utilizar uma farinha de W baixo – uma farinha mais fraca – porque não dependemos tanto assim da estrutura do glúten. Por sinal, quanto menos melhor. Isso quer dizer que o glúten vai ser frágil e macio. Este glúten da farinha fraca pode “desandar” se batido demais, e arrebentar todo. É por isso que para produtos que precisam ser sovados por mais tempo – pães, por exemplo – precisam de uma farinha com glúten que aguente mais tempo de trabalho.

Quanto maior o tempo de trabalho de uma massa, maior o W da farinha precisa ser.

  • Biscoitos, massas de torta, massas de bolo: 120W-180W
  • Massa folhada, croissants, massa choux: 180W-260W
  • Pão, pão de fermentação natural, panetone: 260W-420W

Por isso se possível procure farinhas especiais para cada tipo de produto – um pão feito com uma farinha fraca vai ser mais farelento e vai durar menos tempo – ele resseca mais rápido porque o glúten dele não consegue absorver e reter muita água. Faz diferença, e é por isso que os pães de fermentação natural duram mais tempo!

Na próxima parte falaremos sobre os AMIDOS e o seu papel como estruturante:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Close
©2023 Caramelodrama • Carolina Garofani. Todos os direitos reservados
Close