A história e a técnica do panettone

1 de novembro de 2023

O panettone nasceu em Milão no século XIX e é o produto mais complexo da panificação e da confeitaria juntas. Várias lendas existem sobre a origem dele, inclusive uma que conta do “pane di Toni”, o pão feito por um tal de padeiro Toni que acabou virando a palavra panetone, mas a verdade é que a palavra em si já quer dizer… pãozão. É sério! O sufixo “tone” em italiano é um tão, ou um zão.

De qualquer maneira ele se tornou um clássico do Natal por ser levemente doce, macio e durar bem fechado por muito tempo – os italianos fazem panettone em dezembro e comem até o dia de reis, 6 de janeiro. Ele pode ser levemente aquecido (inclusive em cima dos radiadores de aquecimento em casa) e comido com manteiga e geleia, acompanhado de chá e café.

O clássico é o de frutas cristalizadas, mas até na Itália já existem variações com chocolate, pistache e várias outras delícias.

O Brasil é o maior produtor e consumidor de panettone do mundo – sério! – e felizmente estamos vivendo uma onda de pequenas padarias artesanais que trabalham com fermentação natural e estão fazendo seus panetones no fim do ano.

O panettone tem uma normativa na Italia que regulamenta como deve ser a produção dele e também os ingredientes permitidos – e acredite, os produtos que se vendem em supermercados e padarias aqui no Brasil estão bem longe de ser panettone de verdade. Estão mais para um pão doce com frutas.

Aqui está a normativa para quem quiser ler!

Como eu comecei a fazer panettone

Eu aprendi a fazer panetone em 2011 na universidade na Itália (me formei no Curso Superior de Confeitaria na ALMA, em Parma, mas aqui no Brasil demorei uns anos para me arriscar. Lá eles fazem panettone nos meses frios, quando é seco e mais fácil controlar umidade e temperatura. Aqui é no calor, na variação maluca de temperatura e umidade…

Arrisquei os primeiros em 2015, só pra ver se dava certo. Eu tinha trazido um pedaço de massa madre da Italia e estava mantendo ela desde então, sem usar, morrendo de medo. A Caramelodrama Confeitaria já estava aberta fazia 2 anos e eu já me sentia mais segura para arriscar. E não é que deu certo?

O panettone é um amor bandido – ele maltrata, maltrata e eu continuo amando ele sem medidas. Ele é demorado, técnico e tem muita coisa que pode dar errado – e dá. Já perdi muitas massas, de ter que jogar tudo fora mesmo, 40kg de massa de uma vez no lixo. É de partir o coração, sem contar o prejuízo que dá.

Pra quem tem a experiência e a técnica e a determinação, ele dá certo na maioria das vezes. E o resultado é de arrancar lágrimas. É lindo demais!

Como se faz panettone de fermentação natural?

O primeiro passo é ter uma massa madre saudável. A massa madre é o fermento natural, prima do levain francês utilizado no pão e croissants. A massa madre é apenas farinha e água com uma colônia natural de leveduras e bactérias benéficas que vão fermentar a massa). Ela é mais firme do que o levain (tem menos água) e normalmente mantida enrolada como na imagem abaixo e amarrada para não crescer! Todo o processo é controlado nos mínimos detalhes, inclusive a saúde e o pH dele para não sair dos parâmetros que vão dar a fermentação perfeita para o panettone.

A massa leva apenas farinha, água, massa madre, açúcar, gemas de ovo, manteiga e sal. É só isso mesmo!

A massa enriquecida com muita manteiga (muita mesmo!) e gemas de ovo torna o processo bastante delicado e complexo: a farinha precisa ter um alto teor de glúten para ser capaz de absorver toda a gordura! O batimento da massa é longo – cerca de meia hora – e a temperatura precisa ser controlada para que a fermentação não inicie ainda dentro da masseira.

Ela é feita em duas etapas: a primeira massa é misturada até que o glúten se desenvolva e absorva toda a gordura, e depois deixada para descansar por 12 a 15 horas dentro de uma estufa com temperatura controlada – sim, isso mesmo. Neste tempo ela precisa triplicar de tamanho.

Na segunda parte a massa é recolocada na masseira e adicionada de mais farinha, água, açúcar, gemas e manteiga – tudo de novo! O processo é lento e cuidadoso. Nesta etapa também se adicionam os aromas naturais como fava de baunilha, pasta de casca de laranja, sal e também os recheios, que podem ser frutas cristalizadas, chocolate ou qualquer outra coisa completamente seca. Qualquer recheio que contenha umidade, como frutas frescas vai diminuir bastante a validade do panettone, deixando a massa propícia a desenvolver mofos.

Neste momento a massa é porcionada, boleada e colocada nas forminhas de papel características do panettone – que precisam ser bem resistentes! A massa é densa e o crescimento dela precisa ser para cima, para formar aquela cúpula bonita. Agora ela volta a crescer na estufa até alcançar a borda da forma.

Hora de assar! Por cima da massa é colocada uma pasta de amêndoas com açúcar e claras de ovos, que vai fazer aquela casquinha bonita, e se faz um corte em formato de X no topo para promover mais crescimento. O panettone vai pro forno por cerca de 40 minutos para um de 500g, e mais de 60 minutos para um de 1kg.

Assim que estiver assado ele precisa ser furado nas laterais da base – espetado mesmo! – e pendurado de cabeça para baixo por pelo menos 6 horas – parecem uns morceguinhos! Fazemos isso porque a massa é tão leve e frágil que se deixado para esfriar normalmente ele vai murchar inteiro. Esfriando virado ele mantém o formato que saiu do forno – e muitas queimaduras de dedos e mãos podem acontecer. É um processo que precisa ser rápido e feito por mãos experientes!

Depois disso é desvirar, tirar os espetos, embalar, etiquetar e encaixotar para enviar cada panettone para as mãos ansiosas das pessoas que pedem.

É um processo longo, muito técnico, difícil e de apertar o coração – muitas coisas podem dar errado mesmo que tentemos controlar tudo. Uma virada no tempo, uma onda de calor repentina ou mudança grande na umidade do ar pode colocar tudo a perder – ainda mais aqui no Brasil, onde fazemos panettone nos meses mais quentes.

O panettone é um produto de muito amor e experiência – e a minha alegria é ter um resultado lindo para alegrar vocês!

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  1. Incrível! Amo seu trabalho.

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